Certamente você já ouviu essas expressões, mas talvez não consiga defini-las, ou mesmo não compreenda bem o que elas signifiquem. Governança corporativa foi a tradução dada no Brasil para a expressão inglesa “corporate governance”, e tem o objetivo de fazer com que acionistas efetivamente tomem o poder de governar os seus negócios. Compliance deriva do verbo “to comply”, e se traduz na ideia de cumprir, realizar, fazer conforme o que fora pensado para o negócio, no sentido de haver um planejamento estratégico prévio.
Nesse momento você deve estar pensando, “se existem acionistas que conseguem manter-se a parte da gestão de seus negócios, e ainda assim ganhar dinheiro, então é porque estamos falando de medidas para grandes empresas, o que definitivamente, não é o meu caso”. A proposta aqui, no entanto, é mostrar que tanto a governança, quanto o compliance são proveitosos para qualquer tipo de negócio, urbano ou rural, empresarial ou filantrópico, para pequenas e médias empresas, desde que haja a devida adaptação para o modelo de gestão que se tem.
De modo bastante simples, governança corporativa e compliance são sistemas de organização. A governança se faz por meio da criação e estabelecimento de regras, pensadas de acordo com a especificidade do tipo de negócio empreendido. A sua aplicação objetiva o melhor desempenho da empresa ou instituição em sua atividade, e maior segurança para aqueles que com elas se relacionam, sejam sócios, colaboradores, investidores, fornecedores, credores, comunidade local, enfim todos aqueles que, de alguma forma, sentem os efeitos de sua existência.
Já o compliance é a ferramenta por meio da qual se realizará, de modo bem objetivo, a missão, a visão e os valores da empresa ou organização. E isso se dará por meio da criação de um conjunto de regras que estabelecerão um padrão de comportamento ético e legal que será seguido por todos dentro da entidade e será a marca de todos os procedimentos e atitudes da organização. Governança e compliance, portanto, são medidas complementares que acabam estando essencialmente atreladas uma a outra.
Por certo que os regulamentos postos por órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários – CVM e Bovespa (no Brasil), e Bank for Internacional Settlements – BIS e Acordos da Basiléia (no exterior) propõem objetivos, regras e formas de implementação bastante complexas dessas medidas, tendo em vista que, neste cenário, são atores grandes corporações. Mas em vista dos resultados que se pode alcançar com a implementação destes sistemas, os quais são benéficos para todas as partes interessadas, e sendo eles pensados para cada caso específico, a sua consideração entre pequenas e médias empresas, que no Brasil são a maioria, é algo não apenas viável, mas recomendável.
Planos de governança e compliance não vêm prontos, como algo que você compra e acopla em determinado local. Eles precisam ser criados com efetiva participação dos gestores, administradores e sócios da entidade, e por vezes envolverá a participação dos funcionários e colaboradores. A ideia primária é, tendo sido feita uma avaliação dos pontos positivos e negativos no desempenho da atividade, pensar ações que perpetuem e aprimorem o que já funciona bem, e que modifiquem o que não tem funcionado de forma adequada, ou mesmo que tenha gerado prejuízos. Mas a governança traz objetivos que vão muito além do que melhorar o que está bom e consertar o que não vai bem; ela desafia a organização a se estruturar como um agente participante na comunidade em que está inserida e, por isso, consciente de sua responsabilização pela transformação positiva deste meio.
De modo prático, portanto: como pensar essa reorganização tão elementar do modo de ser da organização, buscando atingir esse fim acima descrito? Os pontos iniciais que se sugere focar são os seguintes princípios: (i) transparência, (ii) tratamento correto aos proprietários do capital, (iii) accountability, (iv) eficácia empresarial e, (v) compliance.
(i) Transparência é dar ao conhecimento da sociedade a forma de funcionamento do negócio e de sua situação, com o objetivo de deixar evidente que as atividades realizadas não possuem subterfúgios, artimanhas, sonegação, ou segredos que, se descobertos por consumidores, credores, financiadores, por exemplo, acarretem movimento de repúdio.
(ii) Tratamento correto é a condução leal para com aqueles que de alguma forma contribuam com capital para o empreendimento, em especial aos sócios que não fazem parte dos órgãos diretivos. É a boa prestação de contas, que se faz compreender por todos aqueles a quem ela se destina.
(iii) Accountability, não tem uma tradução direta para o português, mas pode ser entendida como prestação de contas. E nesse contexto é a obrigação de expor e demonstrar informações quanto aos resultados e operações da organização da forma mais precisa possível. Assim, aquele que é responsável por prestar esses esclarecimentos em razão da sua função precisa ser profundo conhecedor dos dados, e hábil na compreensão dos mesmos, de forma a conseguir responder porque se chegou aos resultados apresentados. De modo mais abrangente, é o despertar do senso de responsabilidade em todos, de acordo com a função que cada um exerce, seja em que instância ou setor for.
No que toca à (iv) eficácia empresarial, temos a adoção de práticas a serem adotadas por gestores e colaboradores que efetivamente realizem os planos que foram previamente elaborados. É o comprometer-se a, dentro de um plano de governança, não apenas escolher uma séria de medidas que vão apenas pintar um pedaço de papel após uma reunião qualquer da organização, mas elencar as melhores alternativas e certificar-se de que elas estão trazendo resultado, estão sendo eficazes.
Por fim, o conceito de (v) compliance já foi visto anteriormente. E porque permeia de forma tão profunda todas as atividades, todas as pessoas que trabalham pela organização e em nome dela, é capaz de materializar a governança corporativa em si, porque amarra todos os demais princípios acima expostos.
Toda essa organização tem um custo, seja em razão do tempo que precisará ser despendido para coletar informações, propor metas e organizar as ações necessárias, fiscalizando e incentivando o seu cumprimento, seja pela assessoria em determinados setores para orientar e dinamizar tal estruturação, que sempre será profunda – porque muda o motivo pelo qual se faz o que se faz. Contudo, o retorno e os benefícios que podem ser sentidos são impactantes e, naquilo que já puderam ser estudados e mensurados, muito incentivadores.
A credibilidade da instituição, da marca, do produto e do serviço no mercado é um dos primeiros retornos a serem percebidos, aproximando o consumidor pela identificação deste para com os valores que passam a compor determinado serviço ou produto. Decorrência imediata disso e a valorização do produto final entregue, com o sentimento, pelo consumidor, de que o preço pago, ainda que mais caro, se compensa pelos benefícios de ter uma organização que se sabe ser um agente social e parte importante da comunidade.
Outro efeito sentido de forma significativa é a geração de caixa, o que decorre do acompanhamento sistemático e compreensível do desempenho, bem como da gestão responsável não somente por parte daquele que detém algum cargo específico, mas porque toda a equipe, a qual estará empenhada em fazer o melhor, agir com efetividade. E nesse mesmo sentido, a captação de recursos financeiros se torna uma possibilidade mais interessante, pois, com dados mais precisos e atualizados sobre a organização, lucratividade e custos, bem como pelo comprometimento com o progresso e evolução do negócio pautado em princípios legais e morais que podem ser com clareza acompanhado pelas partes interessadas, facilitará a captação de investidores e oportunizará negociação de preços mais vantajosos junto a instituições financeiras, dando maior capital para investimentos importantes no negócio.
Por certo estamos diante de um novo tempo. Novo não porque recente, mas porque tem exigido de todos comprometimento, transparência e envolvimento responsável para a transformação de realidades, o que antes não era visto ou mesmo exigido. E essa atuação integral, concatenada e proativa se faz urgente, sob pena dos sistemas corruptos já arraigados debilitarem os recursos, o meio ambiente, as pessoas, minando o ânimo daqueles que querem empreender de forma séria.
Aos empreendedores, portanto, que já possuem a coragem de ofertar o fruto de seu talento às suas próprias expensas para essa sociedade, que haja também a coragem de lançarem mão da influência que detêm para serem agentes transformadores da realidade que lhes cerca e com isso, agregar valor não apenas ao seu produto, mas também ao local onde vivem.