Diversas são as formas possíveis de empreender na produção agropecuária. E sendo essa atividade de grande risco, dada a sujeição a diversos fatores tais como o clima e o alto custo operacional, a conjugação de esforços, seja com o fim de socializar o negócio, seja para delegar a realização de determinadas atividades, é a condução mais utilizada. Neste artigo, vamos brevemente discorrer sobre as formas de associação de esforços mais recorrentes entre os produtores rurais, pessoas físicas e jurídicas, atendo-nos a analisar um dos aspectos de risco, que será a responsabilização dos participantes quanto aos encargos trabalhistas.
Empreender na área agrária exige planejamento para previamente determinar o grau de comprometimento de cada uma das parte envolvidas quanto aos fatores de risco da produção e à socialização da gestão e seus frutos.
Arrendamento
É contrato típico por meio do qual uma pessoa cede à outra, por ajustado período de tempo, um imóvel rural com ou sem benfeitorias, para que nele sejam exercidas atividades rurais, mediante o recebimento de valor fixo previamente ajustado. Qualquer das partes dessa relação pode ser pessoa física ou jurídica.
A formalização deste tipo de negócio pode se dar verbalmente ou por escrito, por meio de contrato particular que não precisa ser levado a registro. Aquele que cede a terra (arrendador) o faz sem qualquer vinculação com a exploração em si, de modo que os custos, despesas, prejuízos e demandas não podem ser a ele opostas pela pessoa que se utiliza da terra (arrendatário), nem mesmo por terceiro. Nesse raciocínio, o arrendador não é empregador do arrendatário, tampouco os funcionários deste poderão exigir seus direitos em face do arrendador.
Aqui não há exploração conjunta, mas sim exploração própria em imóvel alheio. Assim, o pagamento feito pelo arrendatário ao arrendador se dá pela possibilidade de utilizar a terra. E o preço ajustado deve ser pago independentemente da frustração ou do sucesso do empreendimento.
Parceria
Também contrato típico, a parceria é negócio que muito se assemelha ao arrendamento, contudo, tem como essencial diferença a participação de ambas as partes contratantes nos riscos do negócio. Desse modo, àquele que cede o imóvel rural (parceiro outorgante) e, eventualmente, suas benfeitorias, importa, sim, o sucesso da produção, visto que a remuneração a ser paga por quem utiliza a área (parceiro outorgado) será um percentual sobre esse resultado.
Se o contrato de parceria ocorrer exatamente nos termos determinados pela legislação, e não houver efetiva subordinação do parceiro outorgado ao parceiro outorgante, a relação entre as partes será puramente de natureza cível. Porém, caso o outorgante produza repetidas ordens no contexto da execução da parceria poderá caracterizar uma situação fática de subordinação, surgindo relação de emprego entre os sujeitos envolvidos.
Com relação aos empregados que venham a ser contratados pelo parceiro outorgado, em princípio, não haverá responsabilidade do parceiro outorgante sobre os mesmos. Contudo, por ser um contrato de partilha de risco da produção, o Judiciário Trabalhista por vezes tende a ver aqui relação que se equipara a um contrato de terceirização, o que geraria responsabilidade subsidiária do outorgante.
Consórcio simplificado
Trata-se da união de produtores pessoa físicas que assim o fazem unicamente para facilitar a contratação de empregados rurais de forma direta. Por esta estrutura, concentra-se na pessoa de um dos consorciados o poder de contratar, demitir e gerir essa mão de obra em prol de todos os produtores envolvidos no grupo. Não há limite para o número de produtores que possam fazer parte dessa organização, mas é importante que eles estejam dentro do mesmo Município ou em Municípios limítrofes.
A formalização do consórcio se dá pelo Pacto de Solidariedade, que é o documento que estabelecerá quem será o gestor, prazo de vigência, registro da intenção de contratar e responder conjuntamente pelas contratações que serão feitas, bem como as regras para a gestão coletiva da mão-de-obra. Esse documento deve ser levado à registro no Cartório de Títulos e Documentos, e em seguida, ser apresentado ao INSS para que seja criada uma matrícula CEI própria do consórcio. Será através dela que serão feitos os recolhimentos das devidas contribuições.
Os consorciados, todavia, não são uma pessoa jurídica, porque não compartilham patrimônio, e o negócio de um consorciado não se confunde com o do outro. Assim, cada participante arcará com os custos dos empregados, de acordo com os serviços efetivamente utilizados. Mas em havendo judicialização da questão, todos poderão vir a ser responsabilizados pelo pagamento dos encargos trabalhistas, resguardado o direito de ação de regresso àquele que eventualmente tenha feito pagamento que, pelo ajuste interno formalizado, não lhe cabia.
Condomínio rural
Essa formação exige patrimônio em comum e a intenção de administrá-lo conjuntamente, de modo que cada condômino possui uma fração ideal sobre todos os bens condominiais. E em razão dessa fração é que cada um responderá por todos os custos do empreendimento. O condomínio não é uma pessoa jurídica, ele é uma situação de fato que, para sua melhor organização, pode contar com regras internas previamente estabelecidas e um condômino administrador.
A contratação de empregado, ainda que formalizada por um determinado condômino, quando traz proveito também aos demais, acarreta responsabilidade trabalhista sobre todos. O condomínio como organização é estrutura simples que, para deixar de existir, basta as partes assim acordarem. Contudo, quanto à situação dos bens comuns, somente haverá extinção se for possível dividi-los, o que se dá por meio de escritura pública ou processo judicial.
Contrato de integração:
Trata-se de relação com normatização recente que envolve a pessoa que entregará os bens necessários para o exercício de uma determinada atividade ou produção (o integrador), e a pessoa que efetivamente trabalhará com esses bens (o integrado). Tanto um quanto o outro podem ser uma pessoa física ou jurídica.
Nesse tipo de contrato, o integrador entrega bens, insumos ou serviços, estabelecendo quais as condições em que pretende que a matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final lhes sejam, então, devolvidos pelo integrado. O regramento é próprio porque a produção se dá conforme as especificações e necessidades postas pelo integrador, e por isso a importância de haver contrato escrito de modo claro e objetivo.
A colaboração das partes para o sucesso do negócio é compartilhada, isso porque, a exemplo da parceria, a remuneração se dá como participação no sucesso da produção. A diferença do contrato de integração para o contrato de parceria, porém, está no fato de que o integrado receberá não conforme os produtos que ele entregar ao integrador, mas sim conforme o resultado obtido pela venda dos produtos já finalizados, etapa da produção que toca ao próprio integrador.
O integrado não é prestador de serviço ao integrador, tampouco é seu empregado. Trata-se de relação decorrente do direito civil, cujas obrigações próprias de uma e de outra parte não podem ser exigidas do outro; as pessoas dos contratantes não se confundem. Daí dizer-se que as responsabilidades trabalhistas dos empregados das partes também não são mutuamente exigíveis, não há solidariedade deste tipo de obrigação entre os contratantes.
Sociedade em conta de participação (SCP)
A SCP não tem nenhuma formalidade para ser criada e não tem personalidade jurídica. Para a sua existência basta haver contrato particular entre um sócio ostensivo e um sócio oculto/participante, de modo que tal contratação somente produz efeitos entre eles. Ao sócio ostensivo cabe toda a gestão, decisão e condução do negócio sob sua exclusiva responsabilidade. Ao sócio participante toca apenas a entrega de capital ou fundos, dando fôlego ao exercício da atividade, mas sem interferir de qualquer modo nas relações praticadas pelo sócio ostensivo, sob pena de responder solidariamente com ele pelas obrigações assumidas.
Uma vez que as funções de cada participante não se confundem, eventuais reclamatórias trabalhistas opostas contra o ostensivo não alcançam o participante. O patrimônio deste tipo de arranjo pode ser constituído por quaisquer bens que sejam interessantes ao desenvolvimento do próprio negócio. E sua dissolução se dá por acordo entre as partes ou, em não havendo, por ação judicial para a devida prestação de contas.
Sociedade cooperativa
Esta é uma forma de junção de esforços que implica em atos de maior complexidade, isso porque, a criação de uma cooperativa é a criação de uma pessoa diferente do que a de seus formadores; cria-se uma pessoa jurídica.
Formada pela junção de pessoas naturais, possibilitando o ingresso de pessoa jurídica que tenha atividade fim semelhante à atividade dos demais associados, a cooperativa existe para que os seus membros possam usufruir dos serviços prestados pela própria cooperativa. A sua constituição se dá por meio de ata, a qual deve ser levada à registro na Junta Comercial do Estado competente, e seu capital social pode ser fixo, variável ou mesmo dispensável, tornando-a limitada ou ilimitada. Se a cooperativa tiver capital subscrito e for limitada, a responsabilidade do cooperado será no limite do capital subscrito. Se a cooperativa não tiver capital social subscrito, a responsabilidade do cooperado é ilimitada e pessoal, mas subsidiária.
A cooperativa comporta um número ilimitado de participantes, e é regida pelas normas postas em seu estatuto social, criado e votado em assembleia dos cooperados. Cada cooperado é titular de pelo menos uma quota de capital, e os rumos da cooperativa são definidos igualmente em assembleia, na qual cada cooperado tem direito a um voto igualitariamente, sendo o quórum a ser considerado para as definições o que estiver presente na assembleia. Seus órgãos de funcionamento são: a assembleia (órgão máximo), o conselho de administração ou diretoria (que de forma direta conduz e dá efetividades ao que restar definido em assembleia), e o conselho fiscal (responsável por verificar a correção das ações do conselho administrativo).
Os empregados são contratados pela pessoa jurídica da cooperativa, de modo que esta é a responsável pelos encargos trabalhistas, sem alcançar os associados individualmente. Situação peculiar que pode ocorrer é a ocultação de verdadeira relação de emprego entre a cooperativa e os seus associados. Assim importante que os regramentos estabelecidos nos estatutos sociais sejam fielmente obedecidos para que não se descaracterize o negócio.
Sociedades limitada e anônima
A exemplo do que ocorre na cooperativa, a criação de uma sociedade limitada ou de uma sociedade anônima (S/A) implica na constituição de uma pessoa jurídica, diferente e inconfundível com a pessoa de seus sócios. Estas sociedades servem para organizar operações mais complexas, cujos desdobramentos extrapolam a exploração na pessoa física, ou mesmo se tornam mais viáveis se feitos por meio de uma sociedade empresária específica. Sociedades limitadas e S/A possuem leis diferentes que estipulam a sua constituição e funcionamento, contudo, os pontos pertinentes para a análise deste artigo, são bastante semelhantes, razão pela qual os trataremos simultaneamente.
Qualquer dos dois tipos societários pode ser composto por pessoas físicas ou jurídicas, desde que existam pelo menos duas pessoas. Criadas por meio de um contrato ou estatuto social, o qual traz quem são seus sócios, qual é o capital social da sociedade, prazo de vigência, objetivo da sociedade, administração e demais aspectos práticos para o seu funcionamento e existência, tal documento deve ser registrado na Junta Comercial do Estado escolhido como sede da empresa.
Como tais sociedades possuem patrimônio próprio, todas as suas obrigações serão suportadas até os limites deste patrimônio. E a menos que haja algum tipo de abuso na atuação ou manejo da empresa que sustente uma desconsideração da personalidade jurídica, os sócios não serão pessoalmente exigidos pelas obrigações da sociedade.
Holding, consórcio de empresas e sociedade com propósito específico (SPE)
Deixamos propositalmente estas formas organizacionais por último porque elas nada mais são do que a composição das formas societárias anteriormente vistas. Holding é a criação de uma sociedade a qual pode adotar a forma de uma sociedade limitada ou S/A, e cujo objetivo será participar de outras empresas na condição de sócia. É uma forma interessante de organizar e controlar empreendimentos, já que a holding em si não produz bens e serviços, mas atua com participação societária determinante em outras sociedades que, estas sim, produzem riquezas.
Já consórcio é a junção de diversas empresas que assim o fazem para atender a uma determinada demanda, um determinado projeto. A criação de um consórcio não importa na criação de uma nova pessoa jurídica, mas seu contrato de constituição deve ser registrado na Junta Comercial competente. O que vincula os participantes do consórcio é o contrato entre eles feito, que estabelece o objetivo comum e as obrigações de cada consorciada para se alcançar tal fim. Nesse tipo de composição não há presunção de solidariedade das obrigações, e eventual falência de uma das empresas participantes não traz implicações sobre as demais.
A SPE se assemelha à proposta do consórcio, mas com importante diferença. Ao passo que o consórcio é formado por empresas independentes que, permanecendo assim, pretendem alcançar um objetivo comum, a SPE também se propõe a alcançar um mesmo propósito, contudo, para operacionalizar isso, cria uma pessoa jurídica diferente de cada uma das empresas participantes, podendo, para isso, adotar qualquer tipo societário personificável. O grau de comprometimento entre as participantes de uma SPE é maior e permanecerá assim até que se alcance o propósito específico proposto, ou, mesmo após a sua conclusão, enquanto pender obrigações exigíveis da SPE criada.
Para as três estruturas apresentadas, em razão da interligação de empresas, a responsabilidade trabalhista é inicialmente daquele que diretamente faz a contratação. Contudo, se o trabalho dos empregados, ainda que contratados por apenas uma das empresas, reverter em benefício de outra, a responsabilização pelos encargos poderá ser solidária, isto porque para fins trabalhistas haverá a caracterização de um grupo econômico. E para aquele que eventualmente vier a responder por obrigação que não seja especificamente sua, poderá exercer direito de regresso em face do real responsável, conforme ajuste interno feito entre as partes.
Por fim...
Como se pode ver, existem muitas formas de organização da atividade rural, de modo que, para optar pela mais adequada, é preciso antes estabelecer qual o grau de comprometimento e desenvolvimento que se quer para a atividade. E um dos pontos a serem atentados nesta análise, é a responsabilidade trabalhista, visto que ela poderá ficar mais ou menos apartada das pessoas físicas envolvidas no empreendimento.
